Turismo e a COVID-19: uma reflexão sobre os desafios dos pequenos negócios

Restrições para evitar proliferação da COVID-19 tem levado ao fechamento de muito pequenos negócios (Crédito: Divulgação)

O turismo vinha experimentando um crescimento contínuo ao longo das últimas décadas, e, por esse motivo, tornou-se um segmento de extrema importância no processo de desenvolvimento econômico e social de diversas nações, contribuindo com a geração de trabalho e renda, incentivando a geração de um empreendedorismo criativo e inovador, ampliando as receitas de exportação, investimentos em infraestrutura, PIB, bem como apoiando a preservação dos patrimônios históricos, culturais e naturais. De acordo com a Organização Mundial do Turismo – OMT, a atividade turística no ano de 2017 foi responsável por 10,4% do Produto Interno Bruto Mundial e empregou 1 em cada 10 trabalhadores. Esses índices foram resultados do crescimento exponencial do turismo mundial, que gerou 25 milhões de chegadas internacionais em 1950, 674 milhões no ano de 2000 e 1,24 bilhão em 2017. Nesse último ano, as receitas geradas pelo turismo atingiram o marco de U$ 1,22 trilhão (UNWTO, 2017).


Conforme o WTTC (2018), em 2017 apenas a América do Sul apresentou taxa negativa de crescimento econômico no turismo, e o Brasil foi o maior responsável por esse baixo desempenho. Já dados do MTur (2018) apontam que em 2017 entraram no Brasil 5,59 milhões de turistas estrangeiros, representando um incremento de 0,6% em relação ao ano anterior. Trata-se de um bom resultado, pois em 2016 a entrada de turistas estrangeiros se deu em grande parte em função dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Ainda de acordo com o WTTC (2018), o segmento representa 8,1% do PIB brasileiro, e foi responsável por 7 milhões empregos formais no país.


Apesar das boas perspectivas para o turismo nesta década, a paralização praticamente total de suas operações na segunda quinzena de março de 2020 mudou completamente esse cenário no país e no restante do mundo. Já faz um ano que o mercado de viagens é um dos mais afetados pela crise, pois a política de isolamento resultante das medidas de contenção do contágio pela COVID-19 afeta diretamente a dinâmica econômica do segmento, restando quase nenhuma possibilidade de receita. Como é uma atividade fortemente geradora de empregos em todas as faixas de renda no Brasil, principalmente, e em grande escala, nas áreas de menor grau de especialização, seu enxugamento traz consequências significativas ao país (FGV, 2020).


A Organização Mundial do Turismo (OMT, 2020) destacou que o segmento foi o mais afetado globalmente pela pandemia. O estudo mostrou que o desembarque internacional de turistas reduziu 74% em 2020, comparado a 2019. Nas Américas, essa redução foi de 69% (UNWTO, 2021). Seguindo essa tendência negativa provocada pela COVID-19, a demanda dos voos domésticos caiu 91% em maio de 2020 comparado ao mesmo mês de 2019, e os assentos comercializados tiveram uma queda de 90% no mesmo período (ABEAR, 2020).


Em Santa Catarina os dados mostram que a oferta turística é composta por 13,2 mil empresas (Sebrae, 2018), das quais, segundo a JUCESC (2020), 95% são de pequeno porte, incluindo microempreendedores individuais com 51% do total, microempresas com 39% e empresas de pequeno porte com 5%, as quais são responsáveis por cerca de 100 mil empregos. Pesquisa realizada pela SANTUR (2020) mostrou as consequências negativas que a pandemia trouxe a economia turística de Santa Catarina, algumas das quais irreversíveis, como o fechamento de negócios. As 866 respostas válidas mostraram que 76% dos empresários observaram redução total no volume de clientes atendidos, e 20% redução acima de 50% nos atendimentos, o que levou a uma redução total de faturamento médio mensal a 75% dos entrevistados, e com queda acentuada do faturamento superior a 50% em 21% das empresas. A mesma pesquisa mostrou que 29% dos entrevistados reduziram de 25% a 50% do seu quadro de funcionários, e 23% demitiram todos os empegados. 


Esses dados mostram o impacto negativo no turismo catarinense decorrente do isolamento social imposto pela pandemia. O futuro, e o próprio presente, são incertos quanto a sobrevivência e a retomada dos negócios. A única certeza é que um novo mercado se consolida para os que conseguirem completar essa travessia, pautado em inovação, experiências memoráveis e segurança sanitária, e ancorado por tecnologias. 


Para essas empresas do setor de serviços vinculadas ao turismo e a gastronomia, materializar aos consumidores uma experiência voltada a segurança nas suas operações pode ser um fator fundamental para que continuem atuando, ou, no mínimo, garantindo níveis satisfatórios de rentabilidade. Alinhado a Zeithaml et al. (2014a), o “cenário físico” de uma empresa de serviços ajuda o consumidor a tangibilizar e alinhar suas expectativas, e é um fator basilar na minimização dos efeitos da intangibilidade dos serviços, que neste momento, refere-se principalmente a insegurança dos clientes quanto a uma eventual contaminação pela COVID-19. Essas evidências físicas ligadas ao cenário de serviços exercem um grande impacto na experiência do cliente. As empresas devem trazer aos consumidores dimensões do ambiente físico ligadas a implementação de boas práticas dos protocolos oficias de retomada das atividades, que incluem treinamento dos funcionários, criação de um roteiro de atendimento seguro, uso de máscaras pela equipe, disponibilização de álcool gel, além de uma boa sinalização sobre deveres dos clientes e da própria equipe. Devem também exigir o uso de máscaras por seus clientes, e ficar atentos a lotação máxima permitida a cada segmento, que tem girado em torno de 1/3 a 1/2 da capacidade total da empresa, para garantir distanciamento entre pessoas e redução da probabilidade de contaminação.


Essas questões, além de legalmente obrigatórias, vem sendo apontadas em algumas pesquisas como fundamentais para gerar reações internas positivas nos funcionários e clientes, que influenciam o comportamento e a satisfação de ambos, e por consequência, como apontado por Santos & Fernandes (2008), aumentam as chances de se desenvolver ou manter a lealdade dos clientes, que pode ser entendida como sinônimo de recompra e comunicação boca a boca positiva.

Experiências de segurança complementares as entregas dos serviços impactam tanto aspectos de competitividade quanto de sustentabilidade empresarial. Porém, como apontado por Pine II & Gilmore (1998), aos empreendimentos não basta “embrulhar” seus serviços em experiências [de prevenção a pandemia] para garantir um fluxo satisfatório de clientes, mas sim, deliberadamente promover experiências que criem um evento memorável e pessoal [quanto a prevenção da doença], e para isso, a preparação da equipe, a criação do roteiro e o cenário devem ser elementos cuidadosamente pensados, bem como o uso de novos canais de venda e entrega dos produtos e serviços.


Nesse contexto, os empreendimentos gastronômicos têm aderido a delivery e retirada no balcão, geralmente por meio de aplicativos no primeiro caso. Na prática o que se observa é que muitos dessas empresas não tinham a cultura de atuar com esses canais, e na pressa de utilizá-los, não revisaram processos nem seus modelos de negócios. Reclamações são feitas dos dois lados: os clientes porque não tem suas expectativas devidamente atendidas, e as empresas pois esses canais não têm garantido um faturamento mínimo.


A própria internet tornou-se um dos principais canais para os clientes externalizarem sua insatisfação. Quando essas reclamações acontecem, há uma oportunidade única para esses empreendimentos recuperarem as falhas dos serviços e sobreviverem durante a crise, como apontado por Zeithaml et al. (2014b). Segundo esses autores, gerenciar bem uma reclamação leva a solução tanto do caso específico do cliente quanto do processo, denominadas solução do cliente e solução do problema, respectivamente.


As previsões iniciais feitas por uma série de estudos e entidades achavam que o isolamento social duraria cerca de seis meses, o que não se concretizou. Lá se vai um ano de constantes aberturas e fechamentos de empresas e de locais públicos. Complementado esse cenário, as principais tendências apontadas para o consumo turístico neste momento continuam a afirmar alguns pontos, como a priorização do turismo regional e doméstico frente ao internacional, a valorização de produtos e serviços diferenciados pela origem – onde territórios e produtos com Indicações Geográficas revelam seu potencial, além de viagens com tempo reduzido a lugares próximos e em família, sempre com os devidos cuidados sanitários. Porém, pequenas aberturas e afrouxamentos em protocolos de segurança tem levado a aglomerações de pessoas em diversos locais. Com isso, fica difícil prever se realmente destinos nacionais terão preferência aos internacionais, a exemplo de grandes Parques Temáticos, que já vem ganhando atenção do público ao anunciar medidas robustas de combate a contaminação da COVID-19. 


Assim, fica um questionamento: como garantir uma retomada econômica segura e robusta, se muitos empresários continuam orientados para bens e serviços e não para experiências memoráveis, neste caso, a experiências voltadas a saúde de seus funcionários e clientes? Sem o intuito de generalizar os fatos, o que se vê com frequência na mídia é o descumprimento de regras sanitárias em vários destinos brasileiros, tanto por alguns turistas quanto por algumas empresas, e isso deve afetar a travessia e a retomada econômica das empresas. 



Por Alan David Claumann


Especialista em Marketing e Turismo. Doutorando em Desenvolvimento Territorial pela Universidade Federal de Santa Catarina


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Referências:


FGV. Impacto Econômico do Covid-19. Propostas para o Turismo Brasileiro. 2020.


IBGE. Economia do Turismo – Uma Perspectiva Econômica (2003-2009). 2012.


JUCESC - Junta Comercial de Santa Catarina: Empresas em Santa Catarina. 2020.


MTUR. Gastos de turistas estrangeiros crescem 4,7% no trimestre em relação ao mesmo período de 2017. Disponível em: < http://www.turismo.gov.br/%C3%BAltimas-not%C3%ADcias/11276-gastos-de-turistas-estrangeiros-crescem-4,7-no-trimestre-em-rela%C3%A7%C3%A3o-ao-mesmo-per%C3%ADodo-de-2017.html >. Ministério do Turismo. Acesso: maio, 2018.


PINE II, B.J., GILMORE, J.H. Welcome To The Experience Economy. Harvard Business Review. 1998.


SANTOS, C. R.; FERNANDES, D.H. A recuperação de serviços como ferramenta de relacionamento e seu impacto na confiança e lealdade dos clientes. Rev. Adm. Empres. [online]. vol.48 (1):10-24, 2008.


SANTUR. Impactos no Turismo Catarinense Causados pela COVID-19. 2020.


SEBRAE. Turismo: Potencial de Mercado. Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Florianópolis: Sebrae/SC, 2018.


UNWTO. Tourism Highlights, 2017 Edition.  United Nations World Tourism Organization. Spain:  Madrid, 2017.  


UNWTO. UNWTO WORLD TOURISM BAROMETER. Disponível em: < https://www.unwto.org/unwto-world-tourism-barometer-data >. Acesso em: março, 2021.


WTTC. Travel & Tourism Economic Impact 2018 Brazil. WTTC: London, 2018.


ZEITHAML, V. A.; BITNER, M. J.; GREMLER, D.   As Evidências Físicas e o Cenário de Serviços. In: ZEITHAML, V. A.; BITNER, M. J.; GREMLER, D. Marketing de Serviços - A Empresa com Foco no Cliente. 6ª edição. Porto Alegre. AMGH: 2014a.


ZEITHAML, V.A.; BITNER, M.J.; GREMLER, D.D.   A Recuperação do Serviço. In: ZEITHAML, V.A.; BITNER, M.J.; GREMLER, D.D. Marketing de Serviços - A Empresa com Foco no Cliente. 6ª edição. Porto Alegre. AMGH: 2014b.