Covid-19: dinamizador de mudanças

Alexandre Gehlen (Presidente do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil e Diretor Geral da Rede Intercity de Hotéis)

Nem os mais consagrados trend setters e futurólogos no mundo de negócios arriscam-se a afirmar categoricamente como será o mundo pós-Covid 19. Na Europa e na Ásia vemos alguns esboços na prestação de serviços, ainda nebulosos, que dizem pouco sobre o que pode ser considerado uma nova e definitiva estrutura sobre a qual estará alicerçada a nova década.

É possível que 2020 trará insights e mudanças importantes para os próximos 30 anos, principalmente junto às crianças e adolescentes, mas nada que nos próximos cinco anos possa ser visto como uma grande surpresa.

Apontar que a pandemia foi um gatilho para transformações já esperadas e não um marco para uma nova civilização não se trata de uma frase de efeito e muito menos uma posição propositalmente polêmica. Perceber que a pandemia que enfrentamos não é uma revolução, mas um acelerador de evolução que já vínhamos sentido é algo que podemos perceber, com certa serenidade e lucidez. Uma série de tendências na política, nos padrões de consumo e na economia, que já despontavam no horizonte, só foram potencializadas e dinamizadas com o Coronavírus. Em muitos casos foi o empurrão necessário e aguardado diante de um cenário de incertezas e medos.

Vejamos. O sociólogo italiano Domenico De Masi sugeriu há décadas, em uma série de artigos polêmicos, a flexibilização dos horários de serviços. Por que insistir, perguntava ele, diante do aumento de expectativa de vida das pessoas e queda na taxa de mortalidade infantil, que todos os negócios começassem e terminassem no mesmo horário? Ele já antecipava que sem uma escala, o colapso no trânsito e no sistema de transporte público seria inevitável. Para ele, comércios, escritórios e escolas deveriam ter horários diferentes de funcionamento o que poderia desafogar determinados serviços.

Feith Popcorn, famosa escritora nos anos de 1990 por seus dossiês de tendências, também dizia que as gerações na primeira década deste século passariam por um processo de cocoonização – ficariam mais em casa, voltando-se para o ninho, daí a expressão cocoon. Tal desejo traria mudanças importantes nas relações de trabalhos e consumo, já que a casa ocuparia uma posição privilegiada na vida das pessoas. Tal percepção também incentivou o conceito de home office; as cozinhas gourmets e proliferação de cursos rápidos de gastronomia, em que jantares em casa ganhariam protagonismo,; sem esquecer do surgimento dos grandes shopping centers para os lares, como Leroy Merlin, e tantos outros.

O EAD- ensino a distância- era um conceito de negócios que não saia das tímidas experiências. Assim como as reuniões por videoconferência. A pandemia exigiu que mesmo os mais reticentes adeptos, adotassem a tecnologia. Professores, que usavam a mesma lógica de ensino que seus tataravôs, tiveram que se reinventar, sob pressão.

Neste cenário de desenvolvimento tecnológico, principalmente no critério de segurança, o conceito de-commerce avançava muito mais rápido, mas não na velocidade desejada. A pandemia acelerou brutalmente as vendas online causando mudanças profundas na distribuição. Os comerciantes sabiam que era uma questão de tempo repensar o placement em seus negócios. O fechamento de muitas lojas, como anunciado pela Zara, já era esperado, o covid-19 só adiantou prazos. O atual cenário não deveria ser, tampouco, uma surpresa para grandes administradores de shopping centers, já que em seus planos de negócios, as corporações já transformavam seus empreendimentos em espaços de entretenimento muito mais que alameda de lojas.

No turismo, nosso domínio, também não foi diferente. Destinos e hotéis sabiam que precisavam investir fortemente na criação, desenvolvimento e oferta de experiências únicas e inovadoras para atrair clientes. Já faz anos que a expressão “sentir-se em casa em um hotel” virou motivo de piada. Pessoas não querem sentir-se como em seus lares quando pagam diárias em empreendimentos de hospitalidade. Querem ter muito mais conforto, tecnologia e sair da rotina, do trivial. Hoje, na escolha de um serviço de viagens, vivências transformadoras e inovação, além de rígidos protocolos de biossegurança, serão critérios essenciais.

Vê-se hoje muitos hotéis transformarem-se em espaços de coworkings. Não deveria ser nenhuma novidade, já que relatórios da famosa consultoria Skift já diziam que, em futuro muito próximo, hotéis seriam espaços “de tudo para todos”. Um passo similar, mas mais arrojado do que se esperava com os malls. Se no passado empreendimentos hoteleiros eram pousadas para estrangeiros, hoje hotéis são criados para abrigar uma série de serviços para os nativos, de academias e restaurantes a galerias de arte e spas.

A tecnologia na hospitalidade, como aumento das reservas online e gerenciamento de operações com aplicativos, só foi adiantado em muitos anos, com essa pandemia.

É claro que as projeções econômicas são pouco otimistas nos próximos dois anos, mas há também indícios que apontam para anos subsequentes repletos de oportunidades, sobretudo para o turismo e, em especial, para hotelaria. E nem é preciso esperar para ver.

Por Alexandre Gehlen (Presidente do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil e Diretor Geral da Rede Intercity de Hotéis)