Cidadania, educação e responsabilidade: reflexões de uma turista que viajou à trabalho na pandemia

Cidadania, educação e responsabilidade


Em março de 2020 estava na bela Cidade de São Francisco do Sul, em Santa Catarina, quando precisei voltar às pressas para casa devido ao início das primeiras medidas restritivas para conter a expansão do coronavírus. Lembro que li sobre a proteção com máscaras e causei surpresa na farmácia ao chegar em Porto Alegre e pedir a do tipo cirúrgica. Então usei máscara pela primeira vez e trouxe uma para minha filha. Neste mesmo dia ela não foi mais para a escola – mesmo sem a medida oficial naquele momento. Então começou nossa rígida jornada de aprendizado numa nova rotina de convivência com protocolos sanitários. 

Dos exageros do começo, quando pouco sabíamos sobre o vírus, até os dias de hoje, sigo na “linha dura” dos hábitos fundamentais para manter nossa saúde, pois apenas a imunização em massa poderá nos ajudar de fato – e, infelizmente, isso ainda vai demorar. Estou convicta que nos resta cuidar com muito zelo de nós mesmos e de quem vive conosco, e assumirmos a responsabilidade individual de não transmitir o vírus. 

Quem me conhece sabe que trabalho com o setor de turismo, e que sempre viajei muito, algo que só voltei a fazer em agosto do ano passado. Saí da proteção do meu lar pelo menos uma vez por mês para viagens de 4 a 10 dias e – até o momento – estou aqui sem ter contraído o coronavírus. E devo isso à minha responsabilidade pessoal, aos empreendedores que encontrei pelo caminho, e a tudo que aprendi interagindo com profissionais da saúde como o Dr. Amauri Mielle, médico infectologista de Blumenau, com o qual tive a sorte de trabalhar em projetos de implantação de protocolos sanitários em empresas do trade turístico em Pomerode (SC) e na Serra do Cipó (MG). Outra importante aliada foi a leitura de boas fontes de informação, pois mesmo muito cansada da pandemia, sigo me atualizando e trocando percepções e conteúdo com pessoas inteligentes. 

Dessa maneira assumi para mim a responsabilidade pessoal na pandemia. Já sofri deboches, ouvi piadas, recebi olhares “tortos”, mas segui firme nas minhas convicções. Sou uma mulher de 40 anos com arritmia cardíaca e mãe de uma menina de 10 anos asmática, então o medo tem sido nosso aliado, mas acima de tudo o respeito à Ciência, ao conhecimento e à cidadania.

Em todas as viagens que fiz neste período fui muito criteriosa, e encontrei empreendedores como eu – preocupados com a saúde e a segurança. Por vezes me senti exausta com tantos novos critérios e detalhes, mas não desisti. E tudo isso foi possível em muitos momentos da jornada por ter outros que pensam e agem como eu. 

Até naquilo que desinformados (ou mal informados) consideravam exageros, assumi como protocolo. Desde outubro de 2020 uso máscaras tipo PFF2 em ambientes sem ventilação natural ou situações com contato próximo. Cheguei a fazer uso contínuo numa viagem de trabalho por 10 dias, quando estive em quatro cidades do Sudeste. E não tenho dúvida que elas me salvaram. Agora me preparo para aumentar ainda mais o uso deste tipo de EPI devido às novas informações sobre a transmissibilidade da variante P1. 

E, em novembro vivi mais uma experiência profissional muito importante – que foi participar do primeiro evento COVID Free do Brasil – o FESTURIS Gramado. Uma feira tradicional de negócios para o setor que se reinventou completamente para acontecer de forma segura. Pude acompanhar desde o planejamento, até a luta incansável pela sua autorização – afinal, Eventos e Turismo estão entre os setores da economia mais afetados pela crise, mas o destaque para mim foi a atenção aos detalhes, o respeito e o comprometimento da liderança e de toda equipe com senso de responsabilidade, profissionalismo e a empatia que o momento mais frágil de nossa história recente exige. Protocolos, tecnologia e cuidado unidos e de mãos dadas num exercício exitoso que, se de fato se tornasse hábito, talvez possibilitasse uma travessia muito menos traumática por toda a crise.

Depois disso, no final de 2020 passei o Natal com minha filha em Canela e Gramado por considerar mais seguro do que as celebrações com parentes. Em todos os lugares onde estivemos os protocolos eram seguidos e isso nos deu segurança, tanto na pousada, quanto nos restaurantes e parques (e da vigilância severa de uma mãe protetora e bem informada). Se me perguntarem se consegui relaxar, a resposta será um grande não, mas saímos e voltamos para casa tendo cumprido a nossa parte em cada momento e acolhidas de forma segura. 

Por fim, durante cerca de dois meses tivemos um pequeno ensejo de liberdade – convivemos com um grupo muito restrito de pessoas que tiveram COVID–19 e tinham imunidade recente. E mesmo assim reforçava com a Gabi as regras do distanciamento, do não compartilhamento de utensílios e do uso de máscara nos ambientes fechados mesmo com esses amigos queridos. Mas, então, a variante de Manaus chegou para driblar o sistema, e até esta pouca convivência cessou. 

Posso dizer que neste ano difícil, tenso e doloroso estou muito cansada, mas nem penso em reduzir os cuidados. Converso com meu cérebro e digo a ele para não relaxar, pois não chegou o momento da liberdade. Pelo contrário, é hora de redobrar a responsabilidade. E escrevi este texto como um desabafo, pois tenho convicção que no Brasil a maioria da população – independentemente de classe social, ainda não se convenceu do papel individual de cada um nisso tudo. Fracassamos com nossa grave e profunda falta de educação, de senso crítico e com muitas péssimas escolhas. A confortável ilusão de responsabilidade terceirizada é uma das grandes causas do nosso fracasso. Se a lição da pandemia for reduzida ao ato de culpar os outros, então poderemos esperar por tempos piores no futuro.

Cidadania, educação e responsabilidade – é disso que precisamos. Use máscara da forma correta, higienize as mãos com  frequência e mantenha o distanciamento social.



Por Luciana Thomé, consultora em Gestão do Turismo